Ansiedade de domingo: como a ciência explica isso?

Domingo, fim de tarde. A luz muda, a casa vai ficando mais silenciosa, e de repente o corpo começa a dar sinais: um embrulho no estômago, a mente acelerada, aquela sensação de “não quero que amanhã chegue”. Se isso acontece com você, saiba que não é frescura  e não é só com você. Pesquisas de grande escala mostram que nosso humor oscila ao longo da semana: melhora no fim de semana e cai no começo dos dias úteis. Esse padrão ajuda a explicar por que tanta gente relata ansiedade justamente no domingo à noite, quando a segunda já está na esquina.

O que dizem os dados (inclusive no Brasil) sobre ansiedade de domingo?

Análises com milhões de mensagens em redes sociais identificaram que emoções positivas tendem a subir nos fins de semana e cair durante a semana de trabalho, num ritmo que aparece em vários países e culturas. Na prática, isso significa que a transição do domingo para a segunda traz, sim, um “vale” emocional para muita gente.

Quando olhamos para o Brasil, a fotografia é parecida: trabalhos que mineraram tweets em território brasileiro encontraram finais de semana mais “felizes” e queda do humor no início da semana, reforçando a ideia de que o domingo à noite é um ponto sensível para boa parte da população.

Por que o domingo gera mais ansiedade?

Uma peça importante desse quebra-cabeça é o “social jetlag”, o descompasso entre o horário que seu corpo gostaria de seguir naturalmente e o horário que a rotina exige. Fim de semana costuma significar dormir e acordar mais tarde; na segunda, você precisa “girar o relógio” de volta. Esse desalinhamento entre relógio biológico e relógio social está associado a piores desfechos de saúde mental, incluindo maior prevalência e gravidade de transtornos de ansiedade em populações estudadas. Ou seja: quando chega o domingo, seu corpo já começa a antecipar essa “forçada de marcha” e responde com ansiedade.

Além disso, há o componente da ansiedade antecipatória: o cérebro projeta a semana, lembra de demandas, prazos, reuniões e problemas pendentes. Serviços clínicos de referência descrevem as famosas Sunday scaries (medos de domingo) justamente como esse tipo de ansiedade do que está por vir, com sintomas como taquicardia, aperto no peito, insônia e irritabilidade surgindo principalmente no fim da tarde/noite de domingo.

Sinais de que não é “só impressão”

O estresse da virada para a segunda-feira aparece até em marcadores de saúde mais “duros”. Estudos com dados hospitalares no Brasil encontraram pico de internações por infarto agudo do miocárdio nas segundas-feiras e queda no fim de semana, o que é compatível com maior carga de estresse na transição domingo-segunda. Não é que o domingo “cause” infarto, mas o conjunto de fatores (sono irregular, ansiedade, retorno ao trabalho) parece criar um terreno mais favorável para descompensações logo no começo da semana.

O que ajuda na prática e evitar ansiedade no domingo?

  • Ajuste de sono com gentileza: em vez de virar a madrugada no sábado e “pagar” no domingo, tente manter variações menores de horário. Adiante 30–60 minutos o seu relógio no próprio domingo: acorde um pouco mais cedo, pegue sol de manhã e evite cochilos longos à tarde. Isso reduz o social jetlag e deixa a segunda menos agressiva.
  • Domingo com propósito leve: deixe um bloco do domingo para atividades que baixem a ansiedade (caminhada, preparo de uma refeição simples, encontro com alguém querido). Intercale prazer com pequenas preparações para a semana (separar roupas, revisar agenda) para diminuir a sensação de avalanche. Pense nisso como uma “aterrissagem suave” do fim de semana.
  • Higiene de estímulos: o combo celular + e-mails de trabalho + redes sociais no fim da tarde de domingo tende a amplificar a antecipação. Crie uma “zona sem notificações” de 2–3 horas antes de dormir. Se precisar checar e-mails, faça uma varredura curta com foco em organizar, não resolver tudo.
  • Respiração e corpo em movimento: técnicas simples (4–6 respirações profundas, alongamentos, 20–30 minutos de caminhada) sinalizam ao sistema nervoso que você está seguro. A ideia não é “sumir com a ansiedade”, mas impedir que ela escale.
  • Acordos com a segunda-feira: bloqueie na agenda da manhã de segunda uma tarefa curta e conclusíveis. O cérebro odeia começos difusos; dar um primeiro passo claro reduz a ruminação de domingo.
  • Procure ajuda se os sintomas persistirem: se a ansiedade de domingo for intensa, vier acompanhada de crises frequentes, insônia duradoura, uso de álcool para “apagar” o desconforto ou prejuízo importante no trabalho e nas relações, vale conversar com um profissional de saúde mental. Existem abordagens psicoterápicas e, quando indicado, tratamentos medicamentosos eficazes.

Quando Buscar ajuda?

O “aperto” de domingo não é só cultural: ele aparece em dados de humor, em estudos sobre sono e até em desfechos cardiovasculares, inclusive no Brasil. Parte disso vem do descompasso entre nossos ritmos biológicos e as exigências sociais, parte vem da antecipação das demandas de segunda. A boa notícia é que pequenas mudanças no sono, no planejamento e nos hábitos de fim de domingo já costumam aliviar bastante e, quando não bastam, há tratamento.

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Dra Natalia Soledade

Dra. Natália Soledade é médica psiquiatra formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (2005), com especializações práticas em psiquiatria pela Residência Médica do Complexo Hospitalar Psiquiátrico do Juquery (2007) e no Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência – SEPIA (2008).

Atende presencialmente em São Paulo e também oferece consultas online. Mãe de menino, apaixonada por viagens e jogar tênis, a Dra. Natália une experiência clínica à sensibilidade de quem valoriza cada história pessoal.

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