Crônicas de uma ansiosa

crônica de uma ansiosa

Acordo antes mesmo do alarme do celular. Na verdade, mal dormi. Passei a noite rolando na cama enquanto mil pensamentos passavam pela minha cabeça ansiosa. Entre eles, muitas boas ideias que provavelmente nunca verão a luz do dia — continuam ali, presas entre as ideias que moram em mim.

Gosto de acordar e pensar no que tenho que fazer hoje. E no que vem amanhã também. Imagino tudo o que pode dar errado e sempre preparo um plano B, C e D para todas as situações. Nunca precisei ativar nenhum deles, mas gosto da segurança de saber que existem. É a minha rota de fuga.

Opa. Me perdi no tempo, de novo. Agora meu dia será uma corrida. Quase sempre me imagino tentando cruzar uma linha de chegada, mas raramente venço essa corrida contra mim mesma.

Arrumo a cama, tomo café em pé, chamo as crianças. Meus filhos vivem no agora. Querem tudo no presente. Eu, muitas vezes, me atrapalho. Vivo no futuro, enquanto muitos vivem no presente e outros no passado.

Quando finalmente deixo as crianças no colégio, sinto aquele aperto no peito. Parece que alguém segura o coração com força. Dá medo. Adiciono mentalmente à minha lista de tarefas infinitas: “procurar um cardiologista ou talvez um psiquiatra?”.

Já percebi que respirar fundo ajuda. A dor vai embora, mas volta. Sempre volta. Chega antes de reuniões importantes, no meio do caminho para o trabalho e até quando não estou fazendo nada. Aliás, eu odeio fazer nada. Me sinto inútil, enquanto minha cabeça corre sozinha.

No trabalho, percebo que já entreguei o relatório de amanhã. Gosto de pensar que adiantar tarefas são pequenos presentes que meu eu ansioso me dá. Mas meu chefe percebeu isso, e me demanda cada vez mais. Eu sempre aceito. Mesmo querendo, às vezes, dizer não.

Minha estagiária diz que sou uma caixinha de surpresas. Tem dias em que estou cheia de ideias, e outros em que quase não falo. Nestes dias silenciosos, sinto como se um caminhão de pensamentos passasse por cima de mim. Tenho vontade de fugir. De mim mesma. E das responsabilidades invisíveis que eu mesma criei.

Em meio a esse caos, o que me acalma são os vídeos curtos das redes sociais. Confesso: depois deles, tenho mais dificuldade de ver vídeos longos ou até de ler. Mas esses clipes acelerados fazem minha cabeça pensar devagar. Ou não pensar. É quase um alívio.

Hora de buscar os meninos. Eles já sabem que não gosto de esperar. Por isso, organizam os materiais e, assim que o sinal toca, estão prontos na porta do carro. Ai deles se não estiverem.

Tenho pressa de chegar em casa, tirar os sapatos, entrar na rotina da noite. Chegamos. Crianças com deveres feitos, prontos para dormir.

Deito na cama e penso em como será o meu amanhã.

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Dra Natalia Soledade

Dra. Natália Soledade é médica psiquiatra formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (2005), com especializações práticas em psiquiatria pela Residência Médica do Complexo Hospitalar Psiquiátrico do Juquery (2007) e no Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência – SEPIA (2008).

Atende presencialmente em São Paulo e também oferece consultas online. Mãe de menino, apaixonada por viagens e jogar tênis, a Dra. Natália une experiência clínica à sensibilidade de quem valoriza cada história pessoal.

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