Jogos de azar: como alteram a química do cérebro?

jogos de azar

Talvez você tenha começado só para testar a sorte e agora o jogo ocupa a cabeça o dia todo. Talvez seja alguém da família que some por horas no celular, fica irritado quando o assunto é dinheiro e jura que vai parar depois da próxima. Aqui a conversa é direta: jogos de azar foram feitos para segurar atenção e provocar vontade de repetir. não é falta de força de vontade; é um sistema que conversa com os circuitos de recompensa do cérebro. entender isso ajuda a recuperar o controle.

O que acontece no cérebro 

Quando a pessoa aposta e ganha ou quase ganha, o cérebro libera dopamina, a substância que dá sensação de recompensa e empurra para sensação de querer mais. Jogos de azar funcionam com recompensas imprevisíveis: às vezes pagam, às vezes não. Essa incerteza é exatamente o que mais ativa o sistema de recompensa (especialmente o núcleo accumbens). o “quase-ganho” engana: parece vitória, o corpo reage como se fosse, e a mão busca outra aposta. Com o tempo, as áreas que ajudam a frear impulsos (córtex pré-frontal) perdem espaço para o automático. Em adolescentes isso pesa ainda mais, porque essa parte do cérebro ainda está em maturação.

Jogos de azar, por que o “tigrinho” prende tanta gente

O que ficou conhecido como “tigrinho” é um slot online com rodadas curtas, luzes, sons, bônus e muitos “quase-ganhos”. A experiência é pensada para acelerar o ciclo aposta–espera–quase–nova aposta. Além disso, essas plataformas muitas vezes operam fora de ambientes regulados: pouca transparência, quase nenhuma proteção ao consumidor e publicidade agressiva com promessas fáceis, não é um espaço neutro; é um desenho feito para maximizar tempo de tela e gasto.

Sinais de alerta

  • Perde a noção do tempo jogando; “só mais um giro” vira horas
  • Gasta mais do que pode, tenta esconder dívidas ou movimentações
  • Usa o jogo para aliviar ansiedade, raiva ou solidão
  • Promete parar, mas volta para “recuperar o que perdeu”
  • Irritação, brigas em casa, queda nas notas ou no trabalho
  • Para a família: mudanças bruscas de humor, pedidos de dinheiro “urgentes”, segredo com senhas e histórico apagado

Se você é quem joga

Não precisa se odiar por estar preso nesse ciclo. Reconhecer que o jogo foi desenhado para te puxar já muda o jogo a seu favor. Observe os gatilhos: tédio, briga, fim do expediente, madrugada. Anote por uma semana o horário, o motivo, quanto gastou e como se sentiu antes e depois. Isso dá um mapa dos momentos críticos e abre espaço para um plano realista. Vale combinar com alguém de confiança uma regra simples: nenhum acesso a sites ou apps de aposta quando estiver sozinho, cansado ou alterado emocionalmente. redirecione as “janelas de risco” com atividades curtas e possíveis: banho quente, caminhada, ligar para alguém, preparar um lanche, alongar. não é “mudar a vida”; é quebrar o loop de 15 em 15 minutos.

Se você é família

Evite frases que viram muro:“é só parar”o “você não tem vergonha?”
Foque em fatos e cuidado: “percebi que as contas atrasaram, estou preocupado com você, vamos ver juntos uma saída?”
Converse em horário calmo, sem telas por perto. Proponha pequenos acordos concretos (senha para compras, limites no banco, celular carregando fora do quarto) e se ofereça para cuidar dos acessos por um tempo. Ajuda também falar de dinheiro com clareza: planilha à vista, prioridades pagas primeiro, sem empréstimos secretos. Lembre-se: acolher não é bancar a continuidade do jogo.

Plano de ação imediato

  • Travar o acesso: ative “autoexclusão” nos sites, instale bloqueadores no celular e no computador e desligue notificações.
  • Proteger o dinheiro: remova cartões salvos, crie limites no banco, use uma conta separada para despesas essenciais.
  • Rotina anticraving: preencha horários críticos com microtarefas (banho, chá, ligar para alguém, caminhada de 10 min).
  • Rede de apoio: escolha 1 pessoa para ser “ponto de checagem” diário por 2 semanas.
  • Ambiente em casa: nada de aposta em espaço privado; telas em área comum; madrugada sem celular.
  • Adolescentes: regra clara de zero apostas, conversa sobre risco, exemplos reais e supervisão ativa.
  • Ajuste emocional: se o jogo virou válvula de escape, inclua práticas simples de regulação (respiração 4-6, diário, alongamentos).
  • Trate comorbidades: ansiedade e depressão descompensadas aumentam recaída; tratar ambas fortalece o plano.
  • Profissional de saúde: procure terapia focada em hábitos/impulsos; em alguns casos, avaliar medicação para sintomas associados.
  • Emergência: se houver endividamento grave, chantagem, pedido de nudes, ameaças ou ideias de se machucar, guarde prints e busque ajuda imediata (no Brasil, CVV 188 e serviços de urgência).

Recuperação é processo, não evento

Muita gente espera “o estalo” que muda tudo. Na prática, recuperação é série de decisões pequenas repetidas ao longo dos dias. Recaídas acontecem e não anulam o que deu certo. Revise o que funcionou, reforce barreiras (bloqueadores, limites, rotina) e volte ao plano. grupos de apoio, terapia motivacional ou cognitivo-comportamental e, quando necessário, orientação financeira ajudam a sair do buraco com menos culpa e mais estratégia.

Plataformas reguladas precisam seguir regras mínimas de proteção. Ambientes não regulados costumam prometer bônus irreais, dificultar saques e não oferecem caminhos claros de reclamação. Se houve golpe, registre boletim, guarde comprovantes e informe às autoridades. para adolescentes, reforce: aposta não é jogo inofensivo e “dinheiro fácil” é o chamariz de todo golpe.

Se você está preso no “só mais uma rodada”, vale dar um passo fora do circuito: olhar para números, pedir ajuda e criar barreiras. Se você é família, vale trocar a bronca por acordos concretos e acompanhamento de perto. Ninguém precisa enfrentar isso sozinho.
Se você quer um plano possível para o seu momento, seja para si ou para alguém da família, a Dra. Natália pode ajudar com orientação baseada em evidências, sem julgamento, e passos práticos para recuperar o controle.

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Dra Natalia Soledade

Dra. Natália Soledade é médica psiquiatra formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (2005), com especializações práticas em psiquiatria pela Residência Médica do Complexo Hospitalar Psiquiátrico do Juquery (2007) e no Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência – SEPIA (2008).

Atende presencialmente em São Paulo e também oferece consultas online. Mãe de menino, apaixonada por viagens e jogar tênis, a Dra. Natália une experiência clínica à sensibilidade de quem valoriza cada história pessoal.

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