O lítio é um dos medicamentos mais estudados da psiquiatria moderna. Usado há mais de 70 anos, ele é considerado o tratamento de primeira linha para o transtorno bipolar, além de ser um importante estabilizador do humor em casos de depressão recorrente e comportamento suicida.
Mas nas últimas décadas, estudos têm revelado algo ainda mais interessante: quanto mais cedo o tratamento com lítio é iniciado, maior o potencial de proteção cerebral. Isso significa que, além de estabilizar o humor, o lítio pode atuar de forma neuroprotetora, ajudando o cérebro a se preservar e a funcionar melhor ao longo do tempo.
O que significa “neuroproteção”
Neuroproteção é o termo usado para descrever qualquer processo capaz de proteger os neurônios contra danos causados por inflamação, estresse oxidativo, degeneração ou desequilíbrio químico.
Em pessoas com transtorno bipolar, depressão grave ou episódios repetidos de alteração do humor, o cérebro pode sofrer alterações estruturais e funcionais, especialmente em áreas como o hipocampo e o córtex pré-frontal, responsáveis pela memória, raciocínio e regulação emocional.
Pesquisas com neuroimagem mostram que o uso contínuo do lítio está associado a maior volume de substância cinzenta, melhor integridade da substância branca e redução do risco de declínio cognitivo. Em outras palavras, o medicamento não apenas controla sintomas, mas protege o cérebro de forma ativa.
Por que começar o tratamento cedo faz diferença
Os estudos mostram que o lítio tem efeito mais potente quando é introduzido nas primeiras fases do transtorno bipolar, geralmente após o primeiro ou segundo episódio.
Pacientes que iniciam o uso precoce apresentam menor número de recaídas, episódios mais leves e melhor resposta global ao tratamento.
Isso acontece porque, quanto mais episódios de humor o cérebro enfrenta sem tratamento adequado, maior o risco de alterações neuroquímicas e inflamatórias permanentes. O uso precoce do lítio ajuda a interromper esse ciclo, protegendo os circuitos neuronais responsáveis pela estabilidade emocional.
Como o lítio protege o cérebro
O mecanismo de ação do lítio vai além da regulação do humor. Ele atua em diferentes níveis do funcionamento cerebral:
- Estabiliza neurotransmissores como dopamina, serotonina e glutamato, reduzindo a excitabilidade neuronal.
- Aumenta fatores neurotróficos, como o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), que estimula o crescimento e a regeneração dos neurônios.
- Reduz processos inflamatórios e o estresse oxidativo, prevenindo danos celulares.
- Protege a mitocôndria, a “usina” das células nervosas, melhorando o metabolismo cerebral.
- Favorece a neurogênese, ou seja, a formação de novos neurônios em regiões críticas para o equilíbrio emocional.
Esses mecanismos explicam por que pacientes em uso regular de lítio tendem a apresentar melhor desempenho cognitivo, menor risco de demência e até menor mortalidade geral, segundo grandes estudos populacionais.
Lítio e risco de suicídio
Outro aspecto relevante é o impacto do lítio na redução do risco de suicídio. Diversas metanálises mostram que o medicamento diminui significativamente a probabilidade de tentativa e morte por suicídio, mesmo em comparação com outros estabilizadores de humor.
Esse efeito é atribuído à combinação entre melhora da regulação emocional, redução da impulsividade e ação direta em regiões cerebrais ligadas à tomada de decisão e controle de impulsos.
Mitos e cuidados com o tratamento
Apesar de sua eficácia, o lítio ainda é cercado por mitos. Muitos pacientes acreditam que o medicamento “faz mal para os rins” ou que “vicia”, o que não é verdade.
O lítio exige acompanhamento médico regular e exames laboratoriais para monitorar níveis séricos, função renal e tireoidiana, o que garante seu uso seguro.
Quando bem indicado e acompanhado, ele se torna um medicamento protetor e preventivo, com efeitos que se acumulam positivamente ao longo dos anos.
O futuro do lítio na psiquiatria
Hoje, o lítio é estudado não apenas no tratamento do transtorno bipolar, mas também como possível protetor contra doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.
Pesquisas indicam que doses baixas podem ter efeito anti-inflamatório e neurotrófico mesmo em pessoas sem diagnóstico psiquiátrico, o que reforça seu papel como um dos medicamentos mais versáteis e promissores da neurologia e da saúde mental.




